O Concreto Já Rachou: o manifesto punk que ressoa há quatro décadas

Brasília 8 de Janeiro Concreto Rachou

A atmosfera do Brasil nos anos 1980 era marcada pela inquietação decorrente da transição do regime militar para a democracia, um período em que esperança e desilusão se misturavam nas ruas e no coração de uma juventude que buscava seu lugar no mundo. Em Brasília, a capital concebida para simbolizar a modernidade, mas que também carregava o peso do concreto e da burocracia, emergiu uma cena musical que canalizava o tédio e a insatisfação daqueles jovens.

Foi nesse cenário que surgiu a Plebe Rude, banda formada por Philippe Seabra (vocais e guitarra), Jander Bilaphra (vocais e guitarra), André X (baixo) e Gutje (bateria), trazendo para o centro do país uma sonoridade que, embora inspirada no punk britânico de The Clash e Sex Pistols, falava diretamente das dores e contradições brasileiras.

Na onda do BRock dos anos 80, após o primeiro Rock in Rio, a Plebe Rude lançou, em 1985, seu álbum de estreia: “O Concreto Já Rachou”. Tornou-se um grito de revolta e uma das pedras fundamentais do punk rock nacional. Produzido por Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, o disco equilibra a crueza punk com arranjos ligeiramente mais elaborados, mas sem jamais perder sua veia combativa. O título simboliza a rachadura no sistema repressivo que ainda se adaptava à redemocratização, evidenciando o quão frágil podia ser a promessa de modernidade e mudança.

As faixas do álbum são verdadeiras crônicas do contexto político e social da época, marcadas por letras ácidas e diretas. “Até Quando Esperar” talvez seja a música mais representativa desse inconformismo, com versos que denunciam a passividade diante das injustiças e a má distribuição de renda no país: “Sei, não é nossa culpa / Nascemos já com uma bênção / Mas isso não é desculpa / Pela má distribuição”. Quase 40 anos depois do lançamento, essa canção permanece tão atual que é frequentemente lembrada em manifestações populares.

Outras composições, como “Proteção”, abordam a contradição de uma segurança pública que muitas vezes oprime quem deveria defender. Em “Johnny Vai à Guerra”, a Plebe Rude expõe a alienação e manipulação do recrutamento militar, enquanto “Brasília” desconstrói o mito de perfeição da capital federal, mostrando a distância entre o poder e o povo. Cada uma dessas músicas se tornou um ponto de reflexão para quem vivia aqueles tempos conturbados, mas também para as gerações seguintes, que herdaram um país ainda marcado pela desigualdade e pela corrupção.

O impacto comercial e cultural de “O Concreto Já Rachou” não pode ser subestimado. O álbum vendeu cerca de 250 mil cópias – um número expressivo para uma banda de punk rock no Brasil – e colocou a Plebe Rude ao lado de outras formações brasilienses que, juntas, transformaram a cena musical dos anos 1980. Enquanto a Legião Urbana trazia reflexões existenciais e o Capital Inicial flertava com o pop rock, a Plebe Rude foi a voz mais incisiva da contestação política, traduzindo em música a insatisfação de jovens que não se sentiam representados no cenário nacional.

Quase quatro décadas depois, os temas levantados pelo disco continuam pertinentes. O álbum segue atual e relevante, pois as questões políticas e sociais que ele denunciava ainda ecoam na realidade brasileira. O “concreto” que simboliza a estrutura social e política do país não se curou completamente das rachaduras — na verdade, elas parecem ter se aprofundado. A desigualdade, a corrupção e a repressão policial, tópicos centrais no álbum, seguem como problemas graves e recorrentes na sociedade contemporânea. Por isso, “O Concreto Já Rachou” não é apenas um registro histórico de uma época, mas um espelho que reflete nossas mazelas atuais.

A longevidade e a atualidade do álbum tornam-se ainda mais impressionantes à medida que ele se aproxima de completar quatro décadas desde seu lançamento. “O Concreto Já Rachou” mantém firme o seu posto de manifesto atemporal, que inspira músicos, ativistas e qualquer pessoa inconformada com a realidade ao redor. A Plebe Rude, ao trazer esse retrato musical do Brasil dos anos 1980, acabou criando uma obra universal sobre luta, resistência e esperança.

Se o concreto rachou, foi porque havia vozes dispostas a gritar contra a opressão, a indiferença e as injustiças – e esse grito ainda ressoa. Enquanto houver jovens, bandas ou qualquer grupo de pessoas dispostas a questionar o status quo, o legado de “O Concreto Já Rachou” se manterá vivo. Em meio ao concreto das cidades, onde às vezes a esperança parece sufocada, o álbum lembra que sempre há espaço para florescer contestação e mudança.

Quatro décadas depois, o rock flerta com o neofascismo enquanto uma juventude desconhece a censura, a repressão, a tortura, a morte, a saudade, a dor que assombraram gerações até meados dos anos 80 e pede a “intervenção militar”. Nesse contexto, a importância de algo sólido como o ‘O Concreto…’ se mantém relevante – ainda que, com o tempo, até o rock tenha rachado.

Imagem de capa ilustrativa.

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