Dom José Maria Pires
José Maria iniciou sua caminhada na Igreja Católica como seminarista, sendo ordenado sacerdote em 1941. Sua ascensão à hierarquia eclesiástica foi marcada por uma força singular, e em 1957, aos 38 anos, foi nomeado bispo de Araçuaí, tornando-se o primeiro bispo negro do Brasil. Esse fato, em um período em que a Igreja Católica ainda carecia de representatividade, foi um marco significativo, desafiando a estrutura racista da própria instituição. Sua nomeação não só foi uma mensagem de inclusão, mas também colocou Dom Zumbi à frente de uma missão que exigia não apenas liderança religiosa, mas resistência a preconceitos estruturais profundamente arraigados.
O Concílio Vaticano II e a renovação da Igreja
Teve uma participação destacada no Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, um encontro que buscou modernizar a Igreja Católica e aproximá-la das realidades sociais do mundo contemporâneo. Ele foi um dos bispos que se comprometeram com a renovação da Igreja, abraçando as reformas que visavam uma Igreja mais inclusiva e engajada com os problemas sociais, especialmente com os pobres e marginalizados. Chama do Dom Pelé, José Maria soube articular essa visão, tornando-se uma voz ativa no processo de transformação da Igreja brasileira, sem nunca se afastar de sua missão de promover a justiça social.
Arcebispo da Paraíba: Fé e compromisso social
Em 1966, José Maria Pires foi nomeado arcebispo da Paraíba, onde permaneceu até sua aposentadoria em 1995. Durante esse período, sua atuação foi marcada pela promoção das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e pelo apoio à Teologia da Libertação, uma corrente teológica que se alinha com as necessidades dos pobres e oprimidos. A Igreja Paraibana, sob sua liderança, tornou-se um bastião de resistência contra as desigualdades sociais, sendo um defensor dos camponeses, quilombolas e indígenas, além de apoiar os movimentos populares.
Sua visão pastoral estava profundamente enraizada na realidade social de seu povo. Para ele, a fé não poderia ser dissociada das lutas diárias dos marginalizados. Suas homilias e mensagens pastorais sempre foram carregadas de um tom profético, e ele usou sua posição para desafiar a injustiça social. Em 1976, ele escreveu uma carta pastoral famosa, onde afirmou: "Quando se cansar a paciência do pobre que está sendo esmagado pelos poderosos, a de Deus também se cansará, e Deus virá fazer a justiça que os homens se recusaram a fazer." Essa frase sintetiza a sua visão de uma Igreja engajada com as questões sociais e de um Deus que luta pela justiça dos oprimidos.
A Missa dos Quilombos e a Teologia Afro-Brasileira
Outro momento marcante na vida de Dom Zumbi foi sua participação na histórica Missa dos Quilombos, realizada em Recife em 1991. A missa se tornou um marco para a Teologia Afro-Brasileira, integrando a espiritualidade cristã com a herança cultural dos povos afrodescendentes. Essa celebração não só foi uma forma de honrar a memória dos negros que resistiram à escravidão, mas também consolidou Dom Zumbi como um dos principais articuladores da Pastoral Afro-Brasileira. Ele sempre defendeu que a Igreja deveria se aproximar das raízes africanas e se comprometer com a luta contra o racismo, seja na sociedade em geral, seja dentro da própria Igreja.
Sua atuação como pastor foi além das celebrações litúrgicas. Ele acreditava que a fé precisava estar enraizada na realidade do povo e não dissociada das dificuldades enfrentadas pelos mais pobres. Suas homilias e escritos eram repletos de coragem profética, como demonstrado na célebre carta pastoral de 1976, onde afirmou:
"Quando se cansar a paciência do pobre que está sendo esmagado pelos poderosos, a de Deus também se cansará, e Deus virá fazer a justiça que os homens se recusaram a fazer."
A Igreja como instrumento de direitos humanos
Durante a Ditadura Militar, Dom Zumbi se destacou como uma das vozes mais críticas ao regime autoritário. Ele não hesitou em defender os direitos dos presos políticos, visitar os perseguidos e denunciar as injustiças cometidas pelo governo. Sob sua liderança, foi criado o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba, um espaço dedicado à luta pela dignidade humana e pelos direitos dos oprimidos. Sua coragem e compromisso com a justiça o tornaram uma figura de resistência e um defensor incansável dos direitos humanos em tempos de repressão.
De Dom Pelé para Dom Zumbi
Embora não haja uma data exata para o momento em que começou a ser chamado de Dom Zumbi, acredita-se que isso tenha ocorrido no final da década de 1950. A associação com Zumbi dos Palmares fortaleceu seu simbolismo como líder de uma Igreja comprometida com os mais pobres e com a luta contra a opressão.
Enfrentamento à ditadura
O bispo se destacou como uma das vozes mais fortes de resistência durante o período da Ditadura Militar no Brasil. Em um contexto de repressão, censura e violação dos direitos humanos, ele não se intimidou e usou sua posição na Igreja Católica para se opor à violência e às injustiças cometidas pelo regime. A postura de Dom Zumbi foi marcada pela defesa irrestrita dos direitos dos presos políticos, apoio às vítimas da violência estatal e pela busca incessante pela verdade e pela justiça.
Sua coragem se manifestou em ações concretas, como a criação do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba, que se tornou um espaço de resistência e luta pela justiça social. Ao lado de outros líderes religiosos e civis, Dom Zumbi desafiou o silêncio imposto pela Ditadura, tornando-se uma voz ativa em defesa da liberdade, da democracia e dos direitos dos oprimidos.
A Baixada Fluminense e o legado de formação de líderes
Dom José Maria Pires também desempenhou um papel importante na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, um território marcado por grandes desafios sociais e pela luta das comunidades por justiça e igualdade. A região contou com a forte atuação de Dom Adriano Hypólito, bispo da Diocese de Nova Iguaçu, que compartilhou com Dom Zumbi uma visão de Igreja comprometida com a resistência política e a defesa dos direitos humanos.
Durante suas visitas à Baixada, Dom Zumbi não só fortaleceu sua relação com os membros da Igreja local, mas também contribuiu para a formação de líderes comprometidos com a transformação social. Um dos momentos mais significativos foi a ordenação de Frei Athaylton Jorge Monteiro Belo, conhecido como “Tatá”, um gesto que reafirmou seu compromisso com a formação de líderes religiosos sensíveis às questões sociais. "Tatá" é um exemplo da continuidade do trabalho pastoral de Dom Zumbi, que se dedicou à educação e ao empoderamento das comunidades periféricas, onde a Igreja desempenha um papel central, não apenas na espiritualidade, mas também na luta por direitos.
Dom Zumbi faleceu em 2017, aos 98 anos, tornando-se o bispo mais idoso do Brasil na época de sua morte. Seu centenário de nascimento, celebrado em 2019, foi marcado por diversas homenagens que ressaltaram sua importância não apenas como líder religioso, mas também como um fervoroso defensor da causa negra e dos direitos humanos. Sua trajetória de vida e suas palavras continuam a inspirar gerações. Como ele escreveu em uma de suas cartas pastorais: "Quando se cansar a paciência do pobre que está sendo esmagado pelos poderosos, a de Deus também se cansará, e Deus virá fazer a justiça que os homens se recusaram a fazer."
O legado de Dom Zumbi permanece vivo como um convite para que fé, justiça e esperança se encontrem, promovendo um mundo mais justo e igualitário para todos.
Durante sua vida, Dom Zumbi se tornou uma figura de resistência, não apenas dentro da Igreja, mas também na sociedade, ao se opor à brutalidade do regime militar. Em sua atuação pastoral, não hesitou em criticar o autoritarismo e denunciar as violações dos direitos humanos. Ele foi um defensor incansável das liberdades individuais e da dignidade humana, denunciando abusos, prisões arbitrárias e se solidarizando com aqueles perseguidos por suas convicções políticas.
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