QUANDO SURGIU
Nascido em Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul, em 24 de junho de 1880. João Cândido Felisberto se radicou no final de sua vida em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, onde ficou até sua morte há 50 anos, em 6 de dezembro de 1969.
REVOLTA DA CHIBATA
Como personagem histórico, sua liderança ficou notória a partir de fatos ocorridos em 1910, quando os grandes encouraçados Minas Gerais, São Paulo e o scout Bahia - chamados de ‘Dragões do Mar’ - chegaram, em abril daquele ano, no Rio de Janeiro.
No dia 16 de novembro de 1910, um oficial do navio Minas Gerais, o comandante João Batista das Neves, ordena que o marinheiro Marcelino Menezes receba a 250 chibatadas em frente aos colegas marinheiros, o que é feito ao rufar de tambores.
Esta tropa vinha de um período de treinamento para operação dos novos navios de guerra na Ingraterra, onde perceberam a diferença de tratamento dos marinheiros ingleses em relação aos brasileiros, que na sua maioria eram negros, pardos e oriundos do Norte e do Nordeste do Brasil. Submetidos a castigos corporais como o uso da chibata, nítido resquício da escravidão.
A tortura de Marcelino provoca a revolta que eclode na noite de 22 novembro de 1910. Liderado por João Cândido - marinheiro experiente com quinze anos de serviços -, mais de mil integrantes da Marinha de Guerra se insurgiram na baía de Guanabara, controlando os navios mais importantes da frota da época, inclusive os encouraçados que viram os canhões para a capital e disparam contra a cidade.
Durante a rebelião, depois de aproximadamente cinco dias, mobilizou a sociedade e a opinião da época. Órgãos da imprensa simpatizaram com os marinheiros, bem como certos parlamentares, e o governo acabou concedendo a anistia aos rebeldes. Entretanto, dias depois foi publicado um decreto que previa o desligamento da Marinha dos considerados elementos “nocivos à disciplina” embarcados nos navios (decreto 8400, de 28 de novembro de 1910).
Nesse contexto, uma segunda rebelião estourou no Batalhão Naval, no dia 09 de dezembro de 1910, a qual foi rapidamente massacrada pelas forças oficiais da República brasileira sob um estado de sítio. Apesar de João Cândido, e seus companheiros, se posicionarem contrário à revolta dos fuzileiros da Ilha das Cobras, o Governo começa aprender os ex-rebelados.
As autoridades da Marinha encarceraram marinheiros e fuzileiros navais em prisões solitárias no complexo naval da Ilha das Cobras durante o Natal de 1910. A maior parte dos prisioneiros morreu no fim de 3 dias, em razão da falta de ar, agravada pelo aumento de uma solução de cal nas celas, e desidratados pelo calor. Ao que parece, numa solitária onde havia 18 pessoas, somente dois homens persistiram vivos – o soldado naval João Avelino Lira e o marujo João Cândido. Dois anos mais tarde, formou-se um Conselho de Guerra para verificar a participação dos rebelados de novembro na revolta de dezembro de 1910.
Trantornado, João Cândido posteriormente foi internado entre abril e agosto de 1911 no Asilo dos Alienados, o Hospício Pedro II. Após liberado, foi desligado da Marinha.
João Cândido se tornou pescador e vendedor de peixes no cais do Rio. Na década de 1960, o então governador do Rio grande do Sul oferece uma pequena pensão a João Cândido que vem a morrer vítima do câncer, em 1969.
Esses fatos ficaram conhecidos pela historiografia brasileira como ‘Revolta da Chibata’, título dado pelo jornalista Edmar Morel publicado em 1959 (Morel, 2009). Trata-se de um caso modelo de uso da violência por parte do Estado para punir os revoltosos, de uma rebelião que mostras as contradições da então jovem República brasileira, de uma tentativa de expressão dos marinheiros subalternos. Foi um ‘acontecimento’ no sentido histórico do termo, capaz de marcar o tempo entre o antes e o depois, revelar mecanismos sociais aparentemente pouco visíveis e tornar-se lembrado e ‘celebrado’ posteriormente de diferentes maneiras.
A construção de João Cândido pela memória nacional demostra a existência de várias camadas de formas de apropriação de um acontecimento. Foi uma das revoltas mais libertárias e mais sombrias pela postura do Governo da época.
A memória da Revolta da Chibata esteve presente numa série de manifestações culturais do início do século XX, revelando uma necessidade social de relembrar e de entender os acontecimentos, apesar do constrangimento que podiam ocasionar.
Há também o conflito travado entre aqueles que desejavam celebrizar a revolta e comemorar o seu maior herói, atribuindo um novo lugar na História do Brasil – e os que, de forma oposta, empenharam-se para que isso não ocorresse – tais quais as autoridades policiais e navais.