Na tarde desta quinta-feira, 10 de abril, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), no município de Seropédica, foi palco de uma das atividades mais significativas do Abril Verde de 2025: o II Colóquio Siso Itan Ati Akoko – Contando a História do Tempo. Realizado no Salão Azul da instituição, o encontro reuniu lideranças religiosas, representantes de movimentos sociais, pesquisadores e estudantes em uma celebração que uniu espiritualidade, tradição, ciência e resistência no enfrentamento ao racismo religioso.
Organizado pelo Grupo EtnoPET, em parceria e com o apoio de casas de axé, coletivos acadêmicos e organizações como a ComCausa, o colóquio contou com uma programação diversa, com destaque para a mesa-redonda sobre o combate à intolerância religiosa, um cortejo simbólico pelos espaços da universidade e o plantio de uma muda de Akoko, árvore sagrada nas religiões de matriz africana. A atividade foi realizada no Jardim Botânico da UFRRJ, local onde, há três anos, já havia sido plantado um Iroko, também sagrado. O reencontro com essa árvore, agora crescida, emocionou os representantes do Ilê Axé Opó Afonjá, que voltaram à universidade para dar continuidade à tradição de semear o sagrado.
“O que presenciamos hoje foi um reencontro com a história, com a natureza e com a fé da ancestralidade. Em tempos de intolerância, cada árvore sagrada plantada é um ato de resistência”, declarou Adriano Dias, da ComCausa, que participou da cerimônia ao lado do Frei Tatá, da Pastoral Afro, e de representantes da Subsecretaria de Promoção da Igualdade Racial.
Cortejo até o Jardim Botânico
Após a mesa de debates no Salão Azul, os participantes seguiram em um cortejo que partiu do prédio P1 até o Jardim Botânico, simbolizando a presença viva da espiritualidade afro-brasileira nos espaços acadêmicos. O momento do plantio foi marcado por cânticos, orações e um pacto coletivo: o de retornar todos os anos para ampliar esse jardim ancestral com novas árvores sagradas.
Números alarmantes do Disque 100
O colóquio ocorreu em um contexto alarmante de crescimento da violência contra as religiões de matriz africana. Em matéria publicada por Adriano Dias no Portal C3, dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos apontam que os registros de violações à liberdade religiosa aumentaram 66,8% entre 2023 e 2024. Foram 2.472 denúncias recebidas pelo Disque 100 no último ano, frente a 1.481 no ano anterior — um crescimento preocupante que exige atenção urgente do poder público e da sociedade civil. Entre as religiões mais atingidas, destacam-se a umbanda, com 151 denúncias, e o candomblé, com 117. Outras expressões do campo religioso afro-brasileiro somaram 21 casos.
A repetição desses números, ano após ano, revela não apenas a persistência da violência, mas também o silêncio institucional que ainda prevalece diante desses crimes de ódio. Na Baixada Fluminense, onde a ComCausa atua há duas décadas, o cenário é particularmente crítico. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP-RJ), houve um aumento de mais de 50% nos registros de ataques a terreiros e agressões a adeptos das religiões afro-brasileiras entre 2022 e 2024. Os municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo concentram a maioria desses casos.
Segundo Adriano Dias, “muitos desses episódios sequer são reconhecidos oficialmente como manifestações de intolerância religiosa. Quando chegam às delegacias, são tratados como ‘conflitos de vizinhança’ ou ‘perturbação do sossego’, desconsiderando o viés discriminatório e religioso das agressões”. Essa postura, segundo ele, contribui para a perpetuação da impunidade e invisibiliza a dor das vítimas.
Legislação que criminaliza a intolerância religiosa
O Brasil possui legislação que criminaliza a intolerância religiosa. A Lei nº 9.459/1997 prevê pena de um a três anos de reclusão, além de multa. Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou o entendimento de que ataques a terreiros configuram crime de racismo — portanto, inafiançáveis e imprescritíveis. Na prática, contudo, essas garantias legais têm sido negligenciadas, especialmente nas periferias e territórios de maior vulnerabilidade social.
Em resposta a esse cenário, as comunidades de terreiro vêm se fortalecendo por meio de redes de proteção mútua, formação política, campanhas públicas e ações em articulação com entidades da sociedade civil, como a própria ComCausa, além de iniciativas junto a universidades e órgãos de fiscalização.
“Se quisermos, de fato, enfrentar a intolerância religiosa, precisamos agir em três frentes: educação, justiça e políticas públicas estruturadas. Não basta apenas denunciar. É necessário formar agentes públicos, reconhecer as religiões de matriz africana como patrimônio cultural imaterial e garantir proteção às casas tradicionais”, reforça Adriano Dias.
E foi nesse contexto que se deu o colóquio: com uma confraternização marcada por um firme compromisso coletivo com a continuidade das ações e com o cuidado das árvores plantadas, que agora crescem como símbolos vivos de memória, fé e resistência dentro da universidade pública.
Para denunciar casos de intolerância religiosa, ligue para o Disque 100 ou procure a DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, localizada na Rua do Lavradio, 155, Lapa – Rio de Janeiro. Telefone: (21) 2333-3509.
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