Duas décadas se passaram desde um dos episódios mais brutais de violência policial no Brasil, a chamada Chacina da Baixada, mas o trauma e o medo ainda assombram as cidades de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense.
Em memória das vítimas, a ComCausa — organização que atua na promoção e defesa dos direitos humanos na região — está contribuindo na mobilização de atividades nos dias 30 e 31 de março. O objetivo é lembrar aqueles que foram brutalmente assassinados, destacar a luta de seus familiares e das instituições, como a Diocese de Nova Iguaçu, que teve um papel fundamental na época, além de refletir sobre a atual conjuntura da violência na Baixada.
No entanto, mesmo após tanto tempo, as mobilizações para essas atividades têm esbarrado na apreensão dos moradores das cidades atingidas, especialmente daqueles que vivem próximo aos locais onde ocorreram os atentados. A recorrência das manifestações de medo evidencia que a violência ainda ressoa, tornando o processo de mobilização um desafio.
Apesar da condenação dos responsáveis — cujas penas somadas ultrapassam dois mil anos de prisão —, o sentimento entre os moradores é de medo e desconfiança. No Brasil, o tempo máximo de cumprimento de pena é de 30 anos, o que significa que, em breve, alguns dos envolvidos na chacina poderão estar novamente em liberdade. Essa possibilidade alimenta a angústia de quem, de alguma forma, ainda vive sob a sombra daquela noite de terror.
O medo que perdura
“Eles mataram um monte de pessoas no meio da rua e já devem sair daqui a pouco. Como confiar [na justiça]?”, desabafa uma idosa que mora próximo ao Bar Caique, na Rua Gama, no bairro Cerâmica, em Nova Iguaçu. Ela tem um filho policial militar que ingressou na corporação no mesmo ano da chacina — ocorrida a apenas uma quadra de onde ele morava e onde sua mãe ainda reside.
Em Queimados, um comerciante, que também prefere não se identificar, compartilha a mesma preocupação: “Eles estão presos há 20 anos, mas será que vão cumprir os 30? Daqui a pouco, vão estar aqui.” — e completa, sem dar detalhes: “Disseram que até já viram [nome de um dos presos] aqui em Queimados.” Fala isso sem apresentar elementos que comprovem o fato. Outra moradora da cidade afirma: “Eles não são mais da polícia, mas muitos amigos deles continuam fazendo as mesmas coisas (…) alguns até entraram para a política.”
Além dessas preocupações, até convites enviados por mensagens de celular — para missas ou outras atividades — recebem respostas marcadas pela apreensão.
O trauma que não cicatriza
Mesmo com condenações consideradas históricas, o fato de as penas, na prática, serem muito menores do que as anunciadas reforça a percepção de que crimes cometidos por agentes do Estado ficam sem a devida responsabilização. A desconfiança no sistema penal e nas instituições de segurança fortalece a sensação de que a justiça não foi plenamente feita. Essas são cicatrizes profundas deixadas pela Chacina da Baixada.
A maior chacina do Rio de Janeiro
O massacre ocorreu na noite de 31 de março de 2005, nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Trata-se do maior caso de violência policial registrado na história do estado.
As vítimas receberam 96 tiros, e algumas delas foram baleadas 13 vezes. Muitas foram atingidas na nuca e no rosto, para garantir que não sobrevivessem. Entre os mortos estavam crianças, estudantes, comerciantes, desempregados, funcionários públicos, marceneiros, pintores e garçons. Somente uma pessoa sobreviveu.
Em Nova Iguaçu, 17 pessoas foram assassinadas; depois, os criminosos seguiram para Queimados, onde mataram mais 12. As vítimas eram civis comuns, incluindo homens, mulheres e jovens, muitos sem antecedentes criminais, atingidos enquanto estavam em frente de casa, conversando ou caminhando.
Após investigações, o Ministério Público denunciou 11 policiais militares pelo envolvimento no caso. Cinco foram levados a júri popular e condenados, com penas que chegam a mais de 500 anos de prisão, embora apenas alguns tenham sido julgados até hoje. O caso gerou revolta nacional e internacional, evidenciando problemas graves de violência policial, impunidade e abuso de poder no Brasil, especialmente contra populações pobres e periféricas. Até hoje, a Chacina da Baixada é lembrada como um marco de brutalidade e um símbolo da luta por justiça e direitos humanos no país.
As condenações
Os principais responsáveis pela chacina, todos policiais militares à época, foram julgados e receberam sentenças severas:
- Carlos Jorge Carvalho (soldado PM): Condenado em agosto de 2005 a 543 anos de prisão em regime fechado pela 4ª Vara Criminal de Nova Iguaçu. A pena incluiu 18 anos por cada homicídio duplamente qualificado, 12 anos por tentativa de homicídio e 9 anos por formação de quadrilha. Teve o cargo público cassado.
- José Augusto Moreira Felipe (cabo PM): Sentenciado a 542 anos de prisão em dezembro de 2007, no Dia dos Direitos Humanos. Considerado um dos mais perigosos, foi expulso da Polícia Militar. Seu julgamento foi marcado por ameaças a familiares e ativistas.
- Marcos Siqueira Costa (cabo PM): Condenado em setembro de 2009 a 480 anos e 6 meses de reclusão.
- Júlio César Amaral de Paula (soldado PM): Recebeu 543 anos de prisão na mesma data.
Outros acusados tiveram desfechos distintos: Fabiano Gonçalves Lopes foi absolvido da participação nos assassinatos em março de 2008, porém perdeu o cargo público e permaneceu preso por outros crimes. Ivonei de Souza foi absolvido da acusação de formação de quadrilha em 2009. Já o cabo da PM Gilmar da Silva Simão foi assassinado com 15 tiros em 2006, na Vila Valqueire, ele havia acabado de prestar depoimento na 4ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar, quando o veículo Gol em que estava foi metralhado.
Violência e insegurança continuam 20 anos depois
Hoje, 20 anos depois, a Baixada Fluminense tem mais territórios controlados por narcotraficantes e narcomilícias, que expandiram sua influência em associação criminosa com agentes do Estado — não apenas das polícias.
O sentimento de insegurança é agravado pela percepção de que pouco mudou em duas décadas. A violência policial segue como uma ameaça constante na Baixada Fluminense, e a população se sente desprotegida.
Saiba de mais detalhes no link da matéria abaixo:
Memória: Chacina da Baixada
Programação em Nova Iguaçu e Queimados
A programação terá início no dia 30 de março, às 18h, com uma missa na Paróquia Sagrada Família, no bairro da Posse, em Nova Iguaçu. A cerimônia visa homenagear as vítimas e refletir sobre a necessidade de justiça e transformação nas políticas de segurança pública.
No dia seguinte, 31 de março, as atividades se concentrarão em Queimados. A partir das 16h, na Praça Nossa Senhora da Conceição, será realizado um ato público com a instalação de um memorial temporário, exposição de cartazes, acendimento de 30 velas em homenagem às vítimas e leitura solene de seus nomes. Familiares e participantes também terão espaço para depoimentos sobre a luta por justiça e memória.
Às 18h, a programação segue no Auditório da Câmara Municipal de Queimados, com o apoio do vereador Professor Catellano, com a solenidade “20 Anos da Chacina da Baixada: O que mudou?”. O evento contará com mesas de debate como abordará o histórico da chacina, os desafios nas investigações e a conjuntura da segurança pública nos últimos 20 anos. “Segurança Pública na Baixada Fluminense: Avanços e Desafios”: discutirá dados sobre violência na região, políticas públicas e propostas para a redução da criminalidade. Segundo o vereador Professor Catellano, um dos articuladores da iniciativa, “é fundamental manter viva a memória das vítimas e discutir ações concretas para prevenir a violência e garantir segurança à nossa população”.









Participação e outras atividades
Participarão do evento representantes dos familiares das vítimas, autoridades locais, instituições públicas e especialistas em direitos humanos. Além dessas atividades, haverá outras iniciativas em Nova Iguaçu, promovidas por familiares em conjunto com os núcleos de apoio às vítimas e direitos humanos da Prefeitura de Nova Iguaçu, confira as agendas clicando aqui.
ComCausa solicita pronunciamentos no Legislativo
A ComCausa também solicitou pronunciamentos nas Câmaras de Queimados e de Nova Iguaçu, na Assembleia Legislativa do Rio e na Câmara Federal, para ampliar o debate sobre o tema.
Foto de capa: Arquivo ComCausa
Mais informações
Paróquia Sagrada Família na Posse celebrará missa em memória dos 20 anos das vítimas da Chacina da Baixada
Câmara de Queimados realizará atividade em memória das vítimas da Chacina da Baixada
Memória: Chacina da Baixada
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