Nesta semana, teve início a entrega das certidões de óbito corrigidas de vítimas da ditadura militar (1964-1985). Após décadas de esforços das famílias e movimentos sociais, o governo federal iniciou o reconhecimento oficial de que os 202 mortos e 232 desaparecidos durante o regime militar foram vítimas da violência de Estado, e não de causas naturais ou de versões forjadas pelo regime autoritário. Esse evento marca um momento histórico na luta por verdade e justiça no Brasil.
A entrega das certidões corrigidas é fruto de um esforço conjunto entre o governo federal e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que ao longo dos anos reuniu provas e relatos para desmontar as narrativas impostas pelo regime militar. Durante a cerimônia, familiares das vítimas destacaram o impacto simbólico e prático desse reconhecimento, que representa um passo essencial para a memória, a verdade e a justiça no país.
O evento representa um avanço significativo para as famílias que, por anos, enfrentaram processos judiciais exaustivos para corrigir os registros de seus entes queridos.
Reconhecimento oficial e reparação histórica
A retificação das certidões não apenas confronta as versões oficiais impostas pelo regime, mas também simboliza uma reparação histórica às famílias. Segundo representantes das entidades envolvidas, as certidões corrigidas são “uma afirmação de que nunca devemos permitir que o autoritarismo silencie vidas e histórias”.
Além da reparação moral, a correção dos registros abre caminho para novos desdobramentos jurídicos e sociais. Em muitos casos, as famílias agora poderão acessar direitos que dependem do reconhecimento oficial das causas reais das mortes, como reparações econômicas ou medidas de memória e preservação histórica.
Um caso emblemático
O caso do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975, é emblemático: sua certidão de óbito indicava “suicídio”, versão alterada em 2012 para “lesões e maus-tratos”. Esse é apenas um exemplo de como as versões forjadas pelo regime militar silenciaram a verdade sobre as vítimas por décadas.
O papel da memória e da justiça
A retificação das certidões de óbito ocorre em um momento em que debates sobre a memória da ditadura ganham novo fôlego no Brasil. Entidades de direitos humanos, historiadores e movimentos sociais ressaltam que a preservação da memória das vítimas é essencial para evitar que episódios semelhantes aos da ditadura se repitam. O reconhecimento da verdade histórica é fundamental para consolidar a democracia e reforçar o compromisso com os direitos humanos.
Apesar desse avanço, a luta por justiça permanece. Muitos responsáveis pelos crimes cometidos durante o regime militar ainda não foram julgados, protegidos pela Lei da Anistia de 1979. A revisão dessa lei continua sendo uma pauta central para organizações de direitos humanos.
As cerimônias de entrega das certidões corrigidas, iniciadas nesta terça-feira (07), simbolizam a vitória de décadas de resistência e o compromisso com a construção de um país que reconhece e enfrenta os erros de seu passado. Para as famílias, é um ato de dignidade e justiça que reforça a memória daqueles que tiveram suas vidas interrompidas pela violência de Estado.
Momento oportuno para a reflexão
A medida vem em meio às evidências da tentativa de golpe de Estado perpetrada por grupos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao debate sobre os desafios enfrentados pela democracia brasileira. Esse ato do Estado brasileiro também ocorre em um contexto marcado por discussões sobre os desaparecimentos e abusos cometidos durante a ditadura militar, que ganham nova relevância com o impacto do filme “Ainda Estou Aqui”. A obra tem provocado intensas reflexões sobre memória, verdade e justiça, destacando a importância de reconhecer os erros do passado para evitar retrocessos no presente.
Esse cenário reforça a necessidade de preservar os direitos humanos e combater o revisionismo histórico, especialmente diante de tentativas recentes de silenciar vozes críticas e negar episódios de autoritarismo. A retificação das certidões de óbito das vítimas da ditadura se apresenta, assim, como um passo simbólico e prático na construção de uma sociedade mais justa, que valoriza a democracia e se compromete com a reparação histórica e a verdade.
Foto de capa ilustrativa da Bomba na Catedral de Nova Iguaçu.
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